Apesar de ter perdido força, o termo “experiência Apple” ainda é usado pra descrever uma coisa feita com qualidade. É comum dizer que essa qualidade se encontra nos detalhes. Coisas “simples” como:
Uma animação de decolagem ao desligar o modo avião,
Pingos de chuva nos cards de previsão do tempo,
Ou até mesmo a interação com um relógio,
Logo, o pensamento que “os detalhes fazem a diferença” ou “a qualidade está nos detalhes” é muito comum. Mas, fazer isso na realidade é um pouco mais complexo.
Os detalhes são o estágio final
Há um senso comum que os detalhes são o último passo.
Primeiro se faz um rascunho, esse rascunho evolui, o nível de fidelidade aumenta, passa por feedbacks, testes, e, em algum momento, no futuro, vamos incluir os detalhes.
Spoiler: esse momento nunca viu a luz do dia. Os detalhes não fazem parte ativa dos nossos processos e ainda são desincentivados.
Os detalhes não são incentivados
O ritmo das demandas nas empresas no geral é bem acelerado:
Designer bom é designer útil, e utilidade é cumprir prazo — que geralmente é curto.
Podemos dizer que um dos fatores da criatividade é a limitação, e, tempo curto é um limitador. Porém, duvido muito que os exemplos da Apple surgiram num ambiente sem o mínimo de prazo.
Mas, se mesmo assim, numa boa intenção, alguém trouxesse uma proposta como as acima, ela seria descartada no ato. “E o tempo de desenvolvimento?”, “Qual alavanca isso mexe?”, “Que valor isso traz pro cliente ou pro negócio?” — provavelmente seriam alguns dos questionamentos.
Deixa esse detalhinho pra lá. O foco é entregar e de preferência rápido.
Em terra de timing, quem tem go-to-market é rei.
A contradição da utilidade
Qual o valor que pingos de chuva caindo na tela trazem pro usuário ou pro negócio? Qual a utilidade de ver um aviãozinho decolando ao desativar uma função? Eu te digo: Nenhuma.
Essa é uma contradição que nos negamos a aceitar: Detalhes são inúteis.
Detalhes são inúteis, mas detalhes importam.
Só que eles importam justamente porque são inúteis.
Veja, inútil, nesse contexto, não é algo pejorativo. Não tô dizendo que é uma coisa boa ou ruim; detalhes são inúteis numa lógica utilitarista que é a lógica do mundo que vivemos. Tudo precisa dar lucro, e se não der lucro, é inútil.
Por que alguém, em sã consciência, iria gastar tempo projetando e desenvolvendo um gatinho que anda pelo Dynamic Island do iPhone?
Isso não traz lucro nenhum, logo é inútil e nunca deveria ser priorizado, não?
Então porque valorizamos tanto esse tipo de coisa? Por que nos brilham tanto aos olhos? Por que queremos atingir esse estado da arte e, ao mesmo tempo, rejeitamos a tentativa?
O problema não é não termos tempo para projetar com esmero, o problema é nem considerarmos fazer isso.
Detalhes só podem se tornar úteis, se decidirmos que eles são.
Quando uma empresa prioriza intencionalmente os detalhes — mesmo sabendo que eles podem não dar lucro ou mexer nos ponteiros — passamos a ver isso de forma estratégica.
É bem contraditório porque esses detalhinhos são inúteis, e design precisa ser útil se não, logo é considerado arte.
Mas, quer saber? Foda-se. Num mundo tão utilitarista, detalhes são um ato de revolução.
Referências
A utilidade do inútil: Um manifesto — Nuccio Ordine
Só não faz igual: 7 coisas que o iOS 18 copiou do Android, Canaltech
The airplane flies away when turning off Airplane Mode on iOS, Design Spells
Raindrops splash on and roll down the cards in the iOS Weather app, Design Spells
Interactive clock for scheduling emails in Apple Mail, Design Spells
Eu pensei que digitar um comentário aqui seria inútil, mas quer saber... fod*-se. Estou digitando pq preciso dizer que mesmo perdendo meu tempo aqui digitando um comentário, o autor do post precisa saber que seu post é útil! :)
Pra variar um ótimo texto. Espero que o dia a dia não acabe tirando a vontade de escrever cada vez mais. Na verdade... nem digo vontade, pq essa eu tenho certeza que há. Digo as prioridades... pq alguém vai dizer que escrever artigos como esse pode não ser algo útil, mas a real é que, precisamos entender o que é utilidade? Útil pra quem? Quem foi que disse que escrevo pra alguém? Ah... não me encha o saco, seu inútil... :D
Frota, começar a semana lendo isso me trouxe de volta para o que eu sempre valorizei enquanto designer e pela busca de sempre querer mexer algum ponteiro, isso de fato ficou esquecido no meu fluxo de trabalho. Como líder de time e uma pessoa que representa o design dentro da empresa que atuo, ter esse repertório sobre o porque construir esses detalhes me deu uma esperança de conseguir vender a ideia para mais detalhes inúteis haha Obrigado pela perspectiva!