O Design em si é uma paixão, mas como toda paixão, possui fases e intensidades.
Vamos explorar algumas delas.
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Paixão pelas ferramentas
Se você, assim como eu, iniciou no design gráfico, provavelmente esse foi o seu primeiro amor.
Photoshop, Illustrator — até mesmo CorelDRAW — e ferramentas mais novas como Figma ou Adobe XD. Um mundo infinito de possibilidades se abre e tutoriais passam a ser sua companhia.
Você sente o poder nas mãos e fazer é a sua motivação.
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Paixão pelo visual
Chega um momento onde dominar atalhos e macros não é mais suficiente. Não há contentamento apenas em fazer. Você quer fazer bem.1
Então, percebe algo que sempre esteve ali, mas agora mais atraente: as boas práticas e padrões.
Você criava, mas não imaginava que existia uma forma “correta” de fazer isso. Tamanho, localização, borda, cores e até o espaço-vazio. Tudo isso agora não só importa como também é a sua forma de expressão. Você se vê no seu trabalho.
Talvez essa seja a fase mais “artística” de todas as paixões — mas a realidade chega (ela sempre chega).
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Paixão pela função
Como somos designers (e não artistas) nosso trabalho não pode ser apenas expressão.
Percebemos que nossas criações são para outras pessoas, e devem cumprir as necessidades delas.
Saímos do o quê para o como: frameworks, dinâmicas, workshops, métodos, técnicas.
Ouso dizer que, aqui, damos um passo além da paixão e sentimos… amor. Isso porque é preciso amor para sairmos da bolha do egoísmo e projetarmos para além de nós.
Designers chegam a se apaixonar também pela empatia e acreditam que um cinto de utilidades recheado é o melhor caminho para entender as pessoas para as quais precisam projetar.
É onde provavelmente a paixão dura mais. Isso porque leva tempo para dominar tantas maneiras de se fazer algo, e pelos elogios e valorização que recebe. Você não quer perder isso, não é mesmo?
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Paixão pelos processos
Um dia, após tanto executar as técnicas que aprendeu, uma pergunta surge:
“Há uma forma melhor de se fazer isso?”
Era o que bastava para invocá-los: os processos. A mais avassaladora e perigosa das paixões.
Etapas, passos, fases… Tudo o que fizemos por todo esse tempo vivia em uma realidade que não tínhamos clareza.
Agora, de olhos abertos, vemos um mundo novo que existe de forma organizada, estruturada e que tem um nome.
Só nos resta segurar em suas mãos e segui-lo à qualquer custo, exatamente como ele nos disser que devemos seguir.
Não há paradas ou adaptações: confie no processo2.
Algumas pessoas nunca mais saem daqui por vários motivos3, mas um deles é porque existem muitos processos. Assim como nós, eles possuem qualidade e falhas, e, precisamos (até mesmo queremos) passar por vários deles.
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Paixão pelos sistemas
Quando achávamos ter enxergado a realidade completa, nossa ficha finalmente cai: o processo (nosso amado processo) estava nos traindo.
É a fase do poliamor: o processo vivia com outro. Esse último, com outro, e todos viviam juntos em um sistema.
Agora tudo faz sentido e entendemos ser parte de uma grande engrenagem. É onde vive o universo do design system, componentes, tokens e uma organização que se entrelaça colaborativamente — como uma grande ciranda.
É o momento de sentir pertencer a algo maior.
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Paixão pela estrutura
Mesmo entendendo que as coisas estão conectadas, algo ainda não funciona. Algumas peças não caminham ou andam em ritmos diferentes. O que acontece?
Aqui, damos um primeiro passo a “paixão madura”:
Madura, pois reconhecemos o compromisso que temos com a ordem das coisas
Primeiro passo, pois ainda é um movimento interno (mesmo tendo consequências externas)
É um momento frustrante e até mesmo confuso. O sentimento de crise de identidade é comum, pois, parece que estamos nos distanciando do nosso ofício.
Você pergunta: “E tudo o que vivemos, Design?”.
E ele responde: “Agora é Ops”.
Gestão, organização, liderança, acompanhamento e evolução passam a ser os temas das suas conversas.
Mesmo sendo uma paixão não tão correspondida, ver as coisas darem certo faz valer cada segundo.
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Paixão pelos princípios
Tudo organizado estruturalmente, mas ainda há uma pontada em nosso peito: para onde estamos indo?
Aqui o diálogo com o Design é essencial. Vocês falam sobre temas sensíveis: ética, responsabilidade, consequências, acessibilidade e inclusão, política, futuro e tudo o que antes evitavam tocar.
Você se pergunta se ainda vale a pena continuarem juntos ou chegou a hora do adeus. É desgastante e muitas vezes desmotivador — mas é uma troca equivalente.
Enfim, chegam a um acordo e entendem, de verdade, o que é necessário para seguir em frente.
É preciso muito tempo de introspecção e reflexão, mas, no fim, há esperança; para você e para quem ainda está por vir.
Alívio.
Seria essa a última paixão?
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Por sorte, o Design não é monogâmico. Nenhuma paixão precisa ser vivida exclusivamente e podemos nos apaixonar (e continuar apaixonados) por todas as fases.
Perceba que tentei não atribuir valor moral ou importância à nenhuma fase em especial; simplesmente porque todas as fases importam.
Cada designer vive um momento de vida e de carreira internamente (e de mercado e empresa externamente), então importância ou valor é relativo à cada pessoa.
Também não é possível se apaixonar realmente por uma fase sem ter se apaixonado pela anterior; pois — mesmo que não sejam estritamente lineares — elas estão relacionadas umas às outras. Tentar “pular fases”, como diria
, é:“[…] como construir um prédio de 50 andares em um terreno cuja fundação não foi propriamente solidificada.”4
No final, tudo se resume às pessoas; o único amor (e não paixão) que vai durar.
Portanto, para seguir em frente, precisemos apenas entender onde estamos e o que podemos oferecer de melhor agora.
Enquanto isso, permita se apaixonar.
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Muito bom!