O problema das métricas de produtividade
Diga-me como me medirá, e te direi como vou me comportar.
“Todos os dias, pouco antes das novas horas, um homem de gorro vermelho fica plantado em uma praça e começa a agitar o gorro de um lado para o outro. Após cinco minutos, volta a desaparecer. Um dia, um policial se postou diante dele:
— Afinal, o que você está fazendo?
— Estou afugentando as girafas.
— Mas não há girafas aqui.
— É claro. Eu faço um bom trabalho.”
Essa é uma história sobre o viés de ilusão de controle. Ela diz que tendemos a acreditar que podemos controlar ou influenciar coisas que não temos poder.
Mesmo assim, tentamos de alguma forma controlar as coisas. Principalmente pra nos dar uma sensação de tranquilidade e segurança, como para tentar ter uma certa “previsibilidade” de alcançarmos algum resultado dentro dum prazo.
Uma das formas de tentar conseguir isso é, por exemplo, usando métricas de produtividade.
A fórmula da produtividade
A produtividade possui dois fatores; (1) Produção e (2) Tempo. Quanto mais é produzido na menor medida de tempo, mais produtivo se é.
Só que as pessoas têm uma tendência a associar produtividade com resultados. Acreditam que quanto mais produtivos somos, mais resultamos geramos. Mas existe um porém:
Produtividade não tem a ver com resultados; tem a ver com entregas.
Mais produtividade = mais entregas. Só que mais entregas ≠ mais resultados.
Pra ser justo, mais entregas podem até significar mais resultados, mas não necessariamente bons resultados.
O trabalho está contra você
Pergunte a sua liderança ou gestão se desejam que você tenha mais produtividade e a resposta será sim — mas provavelmente o ambiente não só não permite, como atrapalha sua produtividade.
Segundo Becky Kane, a forma que trabalhamos se enquadra em três cenários:
Distração
Sobrecarga, e
Extinção de incêndios.
Em 2022, passávamos mais de 250% do tempo em reuniões comparado a 2020 (e temos bons motivos pra acreditar que esse número não diminuiu muito).
Temos ansiedade só de ouvir o som do Slack e nossa agenda parece Tetris:
Como pensar em resultados quando nos cobram produtividade? E como ter produtividade quando não temos tempo para trabalhar de forma adequada?
A fórmula dos resultados
Pense na última vez que você entregou algo que sentiu orgulho e ainda ajudou a empresa a atingir um resultado impactante. Eu duvidaria que tenha sido algo feito em 5 minutos e sem certa atenção.
Trabalhos de resultado envolvem um equilíbrio de tempo, energia, atenção, autonomia e confiança:
Tempo porque nada que presta é feito de um dia pro outro.
Energia porque você precisa estar bem para trabalhar.
Atenção porque nem sempre você vai ter só uma coisa para fazer.
Autonomia porque os processos, sistemas e pessoas precisam te deixar trabalhar.
Confiança porque ela que orienta tudo; desde as pessoas até o seu trabalho.
Repare que não falei nada sobre testes, pesquisas, prototipação, nem outro método ou habilidade; tudo isso é relativo e contextual de cada projeto. Mas uma coisa é certa, sem esses ingredientes, não existe trabalho que atinja bons resultados.
O que não fazer
Elihu Goldratt disse:
“Diga-me como você me avalia e eu lhe direi como me comportarei”.
Você precisa de velocidade? Pode deixar. Posso fazer várias pequenas entregas sem valor para te dar pilhas de entregas. Posso estimar que vou levar 1 semana e entregar em um dia se for necessário.
Velocidade não quer dizer muita coisa.
Comparar velocidade entre times é como dizer que times de basquete são “mais produtivos” do que times de futebol porque acumulam mais pontos durante o jogo.
Quando estamos no meio desse furacão, essa é a abordagem padrão: seguir o jogo. Fazer o que pediram de forma literal para mostrar que, se é só isso que querem, é isso que terão — já vimos como isso acaba em Joker.
O que podemos tentar fazer
Se produtividade e literalidade não são o caminho, o que fazer então? Quais métricas usar? Como voltar o olhar para resultados em vez de entregas?
Uma das sugestões de Dominic Price é: mudar o olhar para pessoas com um modelo ultrapassado de eficiência e passar a olhar para efetividade.
Existem diversos métodos “revisados” mais centrados em efetividade por essência que podem ser usados aqui:
Objetivos e resultados-chave (OKRs)
PACT em vez de SMART
Matriz de Metas, Sinais e Métricas (não confundir com o HEART)
Resumindo: é mais sobre resultados que sobre esforço.
O outro lado
Apesar da lição aparentemente ser óbvia, existe uma lacuna entre “(bons) resultados” e “produtividade”: o custo. Ter equipes produtivas sai mais barato.
Você pode ter um alto nível de exploração, mas tem custos mais baixos. E, mesmo que “dê merda”, o que se lucra paga e sobra.
Pode se contornar a situação com políticas e benefícios de saúde mental e trabalhar no limite do questionável para conseguir extrair o melhor dos dois mundos: pessoas produzindo mais, e gerando mais resultados — mesmo que não sejam os melhores resultados. É como dizer: “nos satisfazemos com 80% de 100”.
Como argumentar que essa lógica não vale a pena?1
É como as pessoas se acostumaram e são orientadas a trabalhar desde a revolução industrial. Não foi preciso questionar esse modelo e mudar é difícil.
Mas é um jogo de longo prazo. Fazer isso precisa ser intencional e, ainda bem, as revoluções começam das pontas. Você pode testar fazer isso em times pequenos e menores onde se tem mais autonomia e fazer a diferença de forma nichada, antes de batizar uma lei imediata — o que pode levar a confusão, problemas e o retorno ao comum.
Não é sobre produzir
Como Dominic Price diz:
“A produtividade sempre foi uma boa maneira de medir o impacto das máquinas e do capital. Só nunca foi uma boa maneira de medir o impacto dos humanos.”
Se você precisa medir produção e produtividade. Vá em frente. Mas não é sobre isso.
Não é sobre renunciar métricas e deixar a Deus-dará, e sim sobre medir de outra forma. Medir de forma mais significativa.
É difícil de primeiro momento ver que crenças e posicionamentos tão sólidos foram derretidos e são mais frágeis que imaginávamos.
Pra quem sempre acreditou ter controle, se ver sem o amparo da eficiência é estar nu em frente uma multidão. Mas, precisamos parar de achar que métricas e produtividade são uma bala de prata:
“O investidor Charlie Munger visitou uma loja de acessórios de pesca. De repente, parou diante de uma estante, pegou uma isca de plástico brilhante que chamou sua atenção e perguntou ao proprietário da loja:
— Os peixes realmente fisgam esse negócio?
O proprietário riu:
— Charlie, não vendemos para peixes…”
Referências
Saia da Crise — William Edwards Deming
A Arte de Pensar Claramente — Rolf Dobelli
It’s time to stop measuring productivity — Dominic Price, Atlassian Blog
How companies made productivity a personal problem — Becky Kane, Async Blog
KPIs, Velocity, and Other Destructive Metrics — Allen Holub
SMART goals are not so smart: make a PACT instead — Anne-Laure Le Cunff
Mito: o que não é medido não é gerenciado — Rafael Miranda
OKRs in 30 seconds — Mike Crittenden
Team goals, signals, and measures — Atlassian Team Playbook
Por mais errado e antiético que possa parecer, é contra essa lógica que estamos lutando.