35 / Você está testando errado
Existe diferença entre estar certo e estar menos errado.
Na pesquisa em Design, pesquisamos basicamente por dois motivos:
Para encontrar oportunidades, e
Para diminuir riscos.
Quando buscamos oportunidades definimos hipóteses1 para encontrar conhecimentos que não sabemos que existem.
Já na pesquisa para diminuição de riscos definimos hipóteses para confrontá-las com a realidade do nosso produto e validar ou invalidar nossas suposições.
Na prática, fazemos essas validações usando o método científico2; porém, qual método científico designers usam?
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Verificabilidade x Falseabilidade
No início do século XX, a ciência tinha um status religioso, quase intocável3. O método científico na época girava em torno da verificabilidade4: todos os cisnes que eu já vi na vida são brancos, logo, todos os cisnes são brancos.
Depois, por volta de 1985, Karl Popper5 critica esse método e sugere um novo formato: a falseabilidade6; nas palavras dele:
“Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo da vida; isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem.”
Sua visão é de que “uma hipótese só é verdadeira quando não é possível falseá-la”. Logo, a verdade não existe de forma permanente; somente de forma temporária.
E, por mais que o tempo tenha passado, ainda testamos em torno da verificabilidade.
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Como testamos hoje?
É possível encontrar um paralelo com a forma que nós testamos hoje.
Desenhamos estratégias, definimos objetivos, criamos hipóteses, escolhemos uma amostra e colocamos nosso teste na rua. Porém, nossa mentalidade ainda é antiga.
Nós, designers, ainda estamos presos no século XX.
Testamos buscando validar e verificar, e não buscando falsear nossas hipóteses.
Designers negam a relação do design com a arte, mas tem o apego de artistas. Odiamos ver que o trabalho que construímos não funciona.
Nos apegamos facilmente as nossas propostas e suposições, talvez, porque estamos mais em contato com quem usa nossas soluções. Ainda assim, o ditado é atual: “você não é o seu usuário”7.
Mas, se sabemos disso, por que ainda é tão difícil parar de testar para validação?
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Por que é tão difícil buscar a falseabilidade?
O cenário de pesquisa em design evoluiu muito8, mas, ainda temos problemas. Alguns deles são:
Não há incentivo para testes. Testar, por muito tempo, sempre foi um evento raro. E, quando acontecia, era por meio de muita briga e priorização. Designers querem testar, mas, não há incentivo e quando há, não existe um tempo hábil para fazê-lo.
A estrutura não tolera o erro. Testar para falsear? Você pirou? Existe timing, mercado, negócios, market share… Ou acerta ou vaza.
Somos avaliados pelo acerto, não pela tentativa. Nos ambientes onde é possível testar, por mais “fail fast, learn faster” que seja, a cultura que reina ainda é a do acerto. O foco é o que você conseguiu fazer dar certo, não o que você aprendeu.
A culpa sempre é do indivíduo. A pior parte, na minha opinião, é que tudo cai nas nossas costas. Quando erramos, nos frustramos e tememos por algo pior. Ficamos tristes. E, na real, isso não deveria ser motivo de alegria nem de tristeza — por mais difícil que seja.
A nós foi dado o trabalho mais difícil: equilibrar tudo.
É muito conveniente defender somente um lado; negócios, tecnologia, usuários. Difícil é encontrar lugar-comum para todas as partes. Mas esse é o nosso papel.
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Não somos cientistas, Design não é uma ciência9 e o cenário não é tão favorável para buscar falsear a validar.
Mas, para evoluirmos, esse passo precisa ser feito. Não podemos testar por testar ou para ter benefício próprio.
Buscar a validação acima da invalidação, hoje, nos garante avanço no nossos projetos, mas é uma mentalidade prejudicial. Por isso:
“A ciência será sempre uma busca, jamais uma descoberta. É uma viagem, nunca uma chegada.”
— Karl Popper
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Boa semana e até segunda,
Rafael Frota.
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Wikipédia, Método científico
Carlos Roberto de Lana, Filosofia da ciência - Karl Popper, falseabilidade e limites da ciência
Wikipédia, Círculo de Viena
Karl Popper, Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento
Mariana Cruz, Karl Popper e a retirada da ciência do altar intocável
Daniel Furtado, Você não é o seu usuário!
Sherry Wu, Design is not Science, Art or Engineering